Senado aprova “trabalho voluntário” sem carteira assinada e valor menor que o mínimo

Proposta do governo federal prevê quatro semanas de trabalho ganhando R$ 444, sem carteira assinada e outros direitos a jovens de 18 a 29 anos e pessoas acima de 50 anos

O governo de Jair Bolsonaro (PL) não se cansa de colocar nas costas do trabalhador brasileiro a responsabilidade pela falta de empregos, dizendo que os patrões pagam muitos direitos e por isso não abrem novas vagas de trabalho.

Esta semana, Bolsonaro conseguiu o apoio da maioria do Senado na aprovação da Medida Provisória (MP) nº 1099, que cria o Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário, voltado para jovens de 18 a 29 anos e para trabalhadores acima dos 50 anos, com duração de 24 meses.

O programa não prevê carteira de trabalho assinado e ainda retira diversos direitos, permitindo que prefeituras contratem em pleno ano eleitoral mão de obra com ganhos abaixo do salário mínimo (R$ 1.212). A MP já tinha sido também aprovada pela Câmara dos Deputados.

Os parlamentares críticos a essa medida provisória apontaram que ela não assegura todas as garantias trabalhistas aos beneficiários do programa. Além disso, alguns senadores acusaram a medida de ser uma proposta “eleitoreira”, que abriria caminho para contratações com direcionamento político, já que as prefeituras poderão contratar trabalhadores nesse modelo.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) fez um alerta: a proposta poderá criar um “trem da alegria” que resultará em passivo para os municípios. Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) citou manifestações contra a medida provisória vindas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público do Trabalho (MPT)

Diante das retiradas de direitos (veja abaixo o que o trabalhador perde), o senador Paulo Rocha (PT-PA) apresentou uma emenda que propunha incorporar ao programa algumas garantias trabalhistas, como recolhimento para a Previdência Social, folga semanal e possibilidade de afastamento das atividades por motivos de saúde. A emenda acabou sendo rejeitada.

De acordo com José Eymard Loguercio, Antonio Fernando Megale e Nilo Beiro, advogados do escritório LBS que atende a CUT Nacional, “a data fixada para o término do programa, de 24 meses a contar da futura lei (precisa ser sancionada por Jair Bolsonaro para passar a valer), dificilmente será cumprida, lembrando que o prazo original era até 31 de dezembro de 2022, alterado pelo Substitutivo da Deputada Bia Kicis.

Se o programa funcionar a contento – do ponto de vista dos interesses de flexibilização e de precarização do trabalho como um todo – ele tende a se prolongar no tempo e “no espaço”, podendo ser facilmente estendido para as atividades privadas, atingindo os objetivos da malfazeja Carteira de Trabalho Verde e Amarela, analisaram os advogados, há duas semanas, quando a MP foi aprovada pelos deputados federais. Veja abaixo os pontos mais prejudiciais aos trabalhadores.

Leia mais: CUT e juízes do trabalho criticam aprovação da  MP do emprego sem carteira assinada

O que diz o texto aprovado

O programa é direcionado a pessoas sem emprego formal há mais de 24 meses e pessoas com deficiência. Por meio dele, os municípios vão contratar os trabalhadores para atividades consideradas de interesse público, que não sejam de atribuição dos servidores municipais.

A remuneração será feita por meio de bolsas no valor do salário mínimo por hora. O dinheiro recebido não contará para efeito de renda máxima para permanência no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), e poderá ser acumulado com o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), da pensão por morte e do auxílio-acidente.

Os contratos deverão prever jornada de no máximo 22 horas semanais, com limite de 8 horas diárias. Ou seja, o trabalhador ganhará no máximo R$ 5,05 por hora trabalhada ou R$ 444,40 em quatro semanas de trabalho. Muito longe do valor cheio do salário mínimo.

Os trabalhadores também devem receber vale-transporte e seguro contra acidentes, e devem participar de cursos de formação técnico-profissional, ofertados pelo município.

Terão prioridade de contratação os beneficiários de programas de renda e os integrantes de famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico. O programa terá duração de 24 meses e será aplicável também ao Distrito Federal.

De acordo com a proposta, poderá ser selecionada para o programa de serviço civil apenas uma pessoa por núcleo familiar — e ela deverá ainda fazer um curso.

Além da bolsa, os selecionados contarão com seguro contra acidentes pessoais e vale-transporte ou outra forma de transporte gratuito, sendo proibido o desconto de participação para recebê-lo.

A medida provisória especifica que a eventual concessão de benefícios relacionados à alimentação e a outros de natureza indenizatória não cria vínculo trabalhista entre o município ofertante e o beneficiário.

O bolsista contará também com período de recesso de 30 dias, preferencialmente durante as férias escolares e com o recebimento da bolsa, devendo ser proporcional se a duração do trabalho for inferior a um ano.

Desligamento

Quanto ao desligamento do programa, a MP prevê quatro situações:

– admissão em emprego formal pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);

– posse em cargo público;

– frequência inferior à mínima estabelecida;

– aproveitamento insuficiente.

Entretanto, o edital de seleção pública poderá prever outras hipóteses de desligamento.

Prêmio

A proposta cria o Prêmio Portas Abertas para reconhecer e condecorar os municípios que se destacarem na implementação do programa, com regulamento definido pelo Ministério do Trabalho e Previdência (fixando critérios de avaliação, categorias e ações que podem ser premiadas).

Veja aqui os pontos prejudiciais aos trabalhadores

Falta de direitos trabalhistas e previdenciários – Uma iniciativa de inclusão voltada a jovens, pessoas com deficiência e adultos maiores de 50 anos poderia ser benéfica, desde que estivesse dentro de um sistema de garantias que impossibilitasse: a exploração de jovens e adultos dentro de um sistema que os prenda para sempre, sem condições de aspirar à formalidade e ao pleno gozo de direitos trabalhistas civilizados, assim como à Previdência Social e à contagem de tempo para a aposentadoria e acesso a outros benefícios; a contratação e recontratação dos trabalhadores em múltiplos projetos; a permanência de projetos por prazos indeterminados; o tempo máximo dos participantes dentro do Programa.

Serviço público – Um Programa desse tipo só pode funcionar adequadamente e servir como ferramenta de inclusão se não concorrer efetivamente com as atividades municipais normais e cotidianas. Se não concorrer com a contratação com caráter de permanência no serviço público; se não se tratar de mero subterfúgio para a contratação precária em substituição da contratação formal.

Frentes de trabalho – A contratação para frentes de trabalho específicas, determinadas, com objetivos e interesses públicos previamente estabelecidos, com tempo de duração razoável, eventualmente poderia ser desejável e inclusiva, mas nunca permitindo a criação de um novo perfil profissional precário: o trabalhador e a trabalhadora permanentemente voluntários.

Exclusão digital – Em relação a ofertas de cursos de formação ou qualificação profissional, a MP estabelece a possibilidade de cursos nas modalidades presencial, semipresencial ou remota. Há de se ter, nesse ponto, preocupação com as aulas virtuais, já que nem sempre as pessoas abrangidas pelo Programa possuirão acesso aos meios tecnológicos e à internet.

Fiscalização – Por fim, há de se mencionar ainda a omissão da MP em relação à fiscalização do Programa, considerando que o Brasil possui 5.570 municípios e que o Ministério do Trabalho sofre com falta de auditores fiscais do trabalho e corte em seu orçamento. Se um prefeito, por exemplo, estabelecer jornada maior que oito horas ao dia ou maior do que 22 horas semanais, quem fiscalizará? Haverá reconhecimento de relação de emprego?

“A MP nº 1.099 até poderia ser vista como boa medida, desde que não incentivasse maior precarização das condições de trabalho. Um Programa nesses moldes há de ter objeto específico e tempo de duração definido; limites para sua oferta; limites considerando o efetivo de pessoal já contratado pelos municípios, dentre outros, tudo para garantir efetivamente a inclusão e a qualificação profissional e evitar possíveis excessos e fraudes”, disseram em nota dos advogados.

*Com informações das Agências Brasil e Câmara

Fonte: CUT

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