Cresce a busca por antecipação de saque-aniversário do FGTS, mas ela pode ser roubada

Com a inflação corroendo a renda e aumentando o endividamento dos brasileiros, a busca por crédito cresceu, inclusive a procura por uma modalidade de empréstimo chamada de antecipação do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Bancos e fintechs comercializam essa linha como sendo a última bolacha do pacote, ou seja, algo valioso. Algumas instituições financeiras vendem esse empréstimo até para os inadimplentes, que somaram 66,6 milhões de brasileiros em maio, um novo recorde, conforme dado mais recente divulgado pela Serasa Experian. Contudo, especialistas em finanças pessoais advertem que tomar esse crédito é roubada se não for um caso de extrema necessidade.

Como diz o nome, as pessoas que aderem ao saque-aniversário do Fundo de Garantia conseguem resgatar uma parcela do saldo das contas ativas e inativas anualmente, durante o mês do aniversário. Já a antecipação dele possibilita retirar esse dinheiro antes, mediante a cobrança de uma taxa de juros.

As instituições financeiras destacam em suas propagandas que o juro é atrativo, que o crédito pode ser contratado facilmente pelo celular ou computador e que o pagamento não pesa no orçamento, porque não há parcela mensal. Os bancos e fintechs bloqueiam o dinheiro da conta do FGTS como garantia e liberam na conta corrente da pessoa até o dia seguinte à contratação. Dá para adiantar até sete saques-aniversários e receber a partir de R$ 200 nos bancos tradicionais

No buscador de crédito Finanzero, a busca por esse crédito avançou 114% de fevereiro a junho de 2022. Já no banco Santander, a procura cresceu 450% de novembro de 2021, quando o banco lançou a modalidade, até março de 2022.

O banco afirma que o empréstimo é uma alternativa para substituir uma dívida cara por uma mais barata ou para quem precisa de um fôlego nas contas mensais. Além disso, diz que é uma opção para quem precisa realizar algum projeto e não deseja descapitalizar um investimento.

Contudo, a própria diretora de produtos de crédito para pessoas físicas da instituição financeira, Luciana de Aguiar Barros, faz um alerta. “Não é aconselhável antecipar o saque-aniversário do FGTS quando o cliente não precisa de dinheiro extra e, principalmente, se estiver próximo ao mês de aniversário”, indica. “A antecipação é um empréstimo e, por isso, deve ser usada de forma consciente.

A taxa de juros desse tipo de empréstimo vai de 1,49% a 1,89% ao mês nos grandes bancos. É bem abaixo do juro médio do crédito pessoal, de 5,18% ao mês, e em linha com a taxa média do consignado, aquele descontado do benefício do INSS ou do salário, de 1,73% ao mês.

Condições nos bancos tradicionais

Banco Limite de saques-aniversários antecipados Valor mínimo (em R$) Taxa de juros ao mês (em %)
Caixa 5 500 1,49
Banco do Brasil 7 400 1,59
Itaú 7 200 1,89
Santander 1 300 1,89

Apesar da taxa de juros ser baixa em comparação à de outras linhas, ela diminui bastante o valor recebido do saque-aniversário, como aponta uma simulação calculada por Pierre de Souza, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

Um trabalhador com saldo de R$ 5 mil no FGTS que antecipar um saque-aniversário com juro de 1,49% ao mês, por exemplo, receberá R$ 1.382. Caso ele aguarde até o aniversário, conseguirá resgatar R$ 1.650, ou seja, R$ 268 a mais.

Quanto mais saques-aniversários antecipados, maior a diferença. Se esse trabalhador antecipar cinco saques-aniversários com a mesma taxa, receberá R$ 3.100. Se ele esperar até o aniversário, poderá retirar R$ 4.558, ou seja, R$ 1.458 a mais.

A seguir, veja a simulação de quanto dinheiro o trabalhador receberia conforme o saldo na conta do FGTS, o número de saques-aniversários antecipados e a taxa de juros ao mês.

Simulação de valores recebidos

Saldo na conta do FGTS (em R$) Número de saques-aniversários antecipados Taxa de juros ao mês (em %) Valor recebido do saque-aniversário não antecipado (em R$) Valor recebido do saque-aniversário antecipado (em R$) Diferença devido aos juros (em R$)
5.000 1 1,49 1.650 1.382 268
5.000 5 1,49 4.558 3.100 1.458
10.000 1 1,89 2.650 2.117 533
10.000 7 1,89 9.520 5.340 4.180

Ao analisar a simulação, dá para enxergar que, apesar de a pessoa não sentir a falta do dinheiro no bolso por ele ser descontado diretamente da conta do FGTS e da taxa de juros ser mais barata, o custo não é baixo, como destaca Souza. “Quem escolhe antecipar está pegando crédito com uma taxa de juros bastante elevada no longo prazo. O empréstimo não é ruim, mas o consumidor precisa compreender a sua necessidade”, aconselha.

Tomar esse crédito pode ser bom quando a pessoa tem outra dívida com juro mais alto e conseguirá quitá-la com esse dinheiro, indica o professor. Uma dívida no cartão de crédito certamente é mais cara, por exemplo.

Contudo, antes, é necessário tentar renegociar as condições de pagamento da dívida, recomenda Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

É confortável para os bancos oferecer créditos com juros altos, como cartão de crédito, e depois ofertar empréstimo com garantia e taxas baixas para pagá-los. É por isso que temos uma grande parcela da população superendividada, que toma uma dívida barata atrás da outra para pagar as caras”, afirma. “O certo seria as instituições financeiras diminuírem os juros.”

Outro cenário em que pode ser vantajoso tomar esse crédito, diz Amorim, é quando a pessoa está atravessando uma emergência e está com dificuldade de arcar com as contas básicas para a sua subsistência, como água e luz.

Com exceção desses momentos de extrema necessidade, o consumidor nunca deve pegar esse empréstimo para antecipar o saque-aniversário, afirma a economista do Idec. “Os bancos oferecem crédito como se ele fosse a única saída, mas não é. A melhor saída é o planejamento financeiro”, diz.

Amorim ainda sugere tomar cuidado com as ofertas das fintechs para antecipar o saque-aniversário do FGTS. “Algumas chegam a praticar taxas de juros mais altas do que os bancos, apesar do discurso delas de aumentar a concorrência e beneficiar o consumidor”, adverte.

Fernanda Melo, planejadora financeira certificada pela Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar), alerta que as instituições financeiras têm especial interesse em oferecer créditos com garantia como este, porque o risco de inadimplência é baixo. Nesse caso, a garantia é o FGTS.

“As instituições financeiras tendem a chamar esses empréstimos com nomes mais comerciais, como ‘antecipação do saque-aniversário’, para vender esses produtos, mas eles são crédito com taxas de juros como qualquer outro”, avisa.

Com os brasileiros com pouca educação financeira e recebendo ofertas de crédito fácil a todo momento, muitos tomam empréstimos sem conhecer os riscos e se endividam além do que podem. Isso também acontece com créditos conhecidos pelas taxas de juros mais baixas, como empréstimos com garantia e consignados.

Para evitar o superendividamento, os especialistas aconselham anotar os ganhos e gastos e planejar o orçamento. Antes de tomar qualquer crédito, eles indicam checar se dá para conseguir alguma renda extra e cortar despesas. O ideal é ter uma reserva financeira para lidar com emergências e fazer investimentos mês a mês, com antecedência, para realizar planos.

Se o empréstimo for a única saída, os especialistas recomendam comparar o Custo Efetivo Total (CET) cobrado pelos bancos e fintechs, ou seja, a soma de todos os custos do crédito, além da taxa de juros, que geralmente aparece com letras miúdas. Vale a pena pesquisar os empréstimos na instituição financeiras em que o consumidor é cliente e fora dela.

Fonte: Valor Investe

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